domingo, 28 de setembro de 2008

Por não estarem distraídos...


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.

Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.

Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não.

Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles.

Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso.

Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.

Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.



Texto: Clarice Lispector in "Para não esquecer"

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Febre Confessional...


Não há como fugir de fatos.

Cada coisa é uma palavra, cada palavra, uma coisa. Quando não se tem, inventa-se.

Não é fácil escrever. Escrever é difícil, duro como diamante, ainda mais quando voam faíscas e lascas como uma porta de vidro estilhaçada por explosão.

Ahhh, que medo de começar....

De uma coisa tenho certeza, vou mexer com coisa delicada, abandonar sentimentos antigos já confortáveis...

Agora não é confortável, isso não é confortável, mas há que se fazer...

Para falar da “coisa” tenho que chorar durante dias, adquirir olheiras escuras, só cochilar de pura exaustão, andar angustiada como que perdida pelo próprio quarto e deixar que os sentimentos transbordem em doses homeopáticas, assim, fugindo discretamente de um esconderijo, tudo isso para me pôr no nível de quem não merece...

A ação desta história terá como resultado minha transfiguração e uma tentativa de materialização. Entendam como quiser.

É preciso evitar que a tendência analista que acaba por reduzir o mundo, os sentimentos e os atos (e fatos), a míseros elementos me atinja. Eu não sou assim, reação.

Reação. Reação.

O cinzento das palavras ditas não vai embaçar meus vinte e dois anos e sumir sem “reação”.

Olhando pela janela foi que pensei naquela coisa terrível...

Silêncio. Lá fora a brisa indiferente...

Em pouco tempo vai começar a chover.