domingo, 1 de novembro de 2009

Do tamanho de uma mão...


Tem coisas em si mesmas injustificáveis, como a dor íntima do improvável que tantas vezes vem baquear no peito e revirar a gente por dentro...

Se as muralhas fossem construídas de línguas e sílabas, faria um soneto pra você e declamaria lá do alto farol das imensidades, aprenderia a cantar e dançaria só pra ver você sorrir...

Mas não é assim que se fazem as flores, não é assim que se fazem certezas...

Elas nascem fracas entre os dedos, nas dobrinhas das falanges, nas rachaduras dos lábios e precisam se fortificar para tornarem-se pétalas...

...precisam firmar ramos, aprofundar-se em raízes...

...os milagres e sonhos precisam de tempo...

...mas nem sempre nos é permitido lhe dar prazos...


Dedicado a uma pessoinha muito especial que hoje foi lá pra cima cuidar da gente...

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Flores sem primavera - Amor e outros desastres

Quero um dia amar alguém que me permita vesti-lo pelo avesso, calçar pés trocados, invertê-lo para me apossar...

 Alguém que demarque com a cerca viva dos seus próprios braços o seu território e me mostre em suas pernas o marco das minhas fronteiras...

 ...Fazer da minha língua oficial a sua, e meu exército, os seus dentes...

 ...Que me permita enxergar pelas janelas embaçadas dos seus olhos e fazer dos seus ouvidos meus radares sonoros...

 Ai então, minha primavera desabrochará com o cheiro do seu corpo e colherei flores sobre seus lábios...

domingo, 28 de setembro de 2008

Por não estarem distraídos...


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que por admiração se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles.

Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles.

Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração.

Como eles admiravam estarem juntos!

Até que tudo se transformou em não.

Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles.

Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso.

Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram.

Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios.

Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.



Texto: Clarice Lispector in "Para não esquecer"

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Febre Confessional...


Não há como fugir de fatos.

Cada coisa é uma palavra, cada palavra, uma coisa. Quando não se tem, inventa-se.

Não é fácil escrever. Escrever é difícil, duro como diamante, ainda mais quando voam faíscas e lascas como uma porta de vidro estilhaçada por explosão.

Ahhh, que medo de começar....

De uma coisa tenho certeza, vou mexer com coisa delicada, abandonar sentimentos antigos já confortáveis...

Agora não é confortável, isso não é confortável, mas há que se fazer...

Para falar da “coisa” tenho que chorar durante dias, adquirir olheiras escuras, só cochilar de pura exaustão, andar angustiada como que perdida pelo próprio quarto e deixar que os sentimentos transbordem em doses homeopáticas, assim, fugindo discretamente de um esconderijo, tudo isso para me pôr no nível de quem não merece...

A ação desta história terá como resultado minha transfiguração e uma tentativa de materialização. Entendam como quiser.

É preciso evitar que a tendência analista que acaba por reduzir o mundo, os sentimentos e os atos (e fatos), a míseros elementos me atinja. Eu não sou assim, reação.

Reação. Reação.

O cinzento das palavras ditas não vai embaçar meus vinte e dois anos e sumir sem “reação”.

Olhando pela janela foi que pensei naquela coisa terrível...

Silêncio. Lá fora a brisa indiferente...

Em pouco tempo vai começar a chover.

sábado, 23 de agosto de 2008

Quem você quer ser?


“Quero ser John Malkovich” é o primeiro trabalho de Charlie Kaufman, em que conta a história de um manipulador de marionetes desempregado, Craig Schwartz (John Cussack), casado com uma Lotte (Cameron Diaz), que possui vários animais de estimação, desde chipanzés até peixinhos no aquário...

O filme começa com uma teatral e encantadora apresentação de marionetes que interpretam com dramaticidade e profundidade a angustia do ser humano...

(Pra mim, esse momento, é quase uma inversão de Dog Ville...

O irreal é tão real quanto o real e vice-versa...)

Craig, não encontrando perspectivas em sua profissão, resolve responder a um anúncio de jornal e consegue emprego como arquivista em uma empresa que fica no andar 7 e ½ de um edifício...

...é quando um de seus documentos cai atrás de um arquivo que ele descobre uma portinha secreta que leva as pessoas a (serem) John Malkovich...

Logo ele e colega de trabalho decidem fazer do túnel um lugar rentável e passam a cobrar ingressos para que as pessoas possam, por 15 minutos, ver a vida pelos olhos de Malkovich. É claro que não demora até que ele tenha a idéia de controlar o astro, assim como fazia com suas marionetes...

...e daí pra frente ainda tem muuuita água pra rolar...

Tramas instigantes, desafiadoras, absolutamente emocionantes (sem ser piegas)...

Tramas que falam da realidade, o quanto de nossa percepção é afetada por ela e quanto de nossa percepção a afeta...

Genial sem ser pretensioso...

... esse é Charlie Kaufman, roteirista de “Quero ser John Malkovich”, “Adaptação” e “Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembraças”...

Habilidoso, Kaufman torna um fato corriqueiro em uma mirabolante trama de autoconhecimento nada trivial...

Há quem diga que seus filmes são “soltos” e “desconexos” (li por ai...), mas, pra mim, foram/são incríveis quebra-cabeças que têm as peças escancaradas pra quem se dispuser a montar (falando em montagem, ela também é muuuuuuuito foda!)...

Sabem aqueles joguinhos de se acompanhar vidrado? Então...

Kaufman consegue escrever filmes inteligentíssimos e tem a sorte de montar equipes que fazem o trabalho ser completo, em todos os sentidos, seja na trama, direção, interpretação, trilha sonora, direção de arte e fotografia...

Provoca lágrimas, risos, perturbações e identificações em cada um de nós...

Pra quem já viu sabe do que estou falando, pra quem não viu e se empolgou com esse e ainda não viu “Adaptação”, corra, pois Kaufman extrapola os limites da imaginação com uma metalinguagem delirante, imperdível...

Sua criatividade não tem limites...

E que seja Eterno o Brilho dessa Mente!

“Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação” foram dirigidos pelo mesmo diretor, Spike Jonze. Já “Brilho Eterno (...)” foi dirigido por Michel Gondry.

Ahhhh! Fica a perguntinha: “Quem você gostaria de ser?”

"Dentre muitos, eu queria ser um pouquinho de Kaufman...rs”






Ficha Técnica

Título Original: Being John Malkovich
Site Oficial: www.beingjohnmalkovich.com
Direção: Spike Jonze
Roteiro: Charlie Kaufman




quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O tempo e as asas...



Méééééu Déééééus, o tempo voooooa!

Já já venho com novidades...têm coisas, mas tão todas misturadas...

terça-feira, 15 de julho de 2008

Constatações


Às vezes choro me olhando no espelho, às vezes como sem fome...

Às vezes ando de pés descalços, às vezes leio um livro só até a metade...

Às vezes tenho orgulho dos meus pecados, às vezes duvido dos outros...

Às vezes me sinto parecida com a minha mãe...

Às vezes estranho meu próprio nome...

Às vezes vou passear debaixo de árvores para ver se chove flores...

Não tenho plantas em casa porque esqueceria de regar...

Não deixo de comprar flores porque acho que mereço...

Não minto porque não gostaria que mentissem pra mim e porque acho que não vale a pena prorrogar uma decepção.

Nunca quebrei nada que precisasse de gesso...

Nunca andei de navio...

Nunca capotei com o carro...

Nunca deixei de dizer o que sentia por medo...

Nunca viajei de caminhão...

Quando eu fico triste fico muda...

Quando estou alegre pareço que pulo mesmo não tirando os pés do chão...

Quando sinto saudades fico angustiada e com vontade de chorar...

Quando gritam comigo sinto raiva do outro por me sentir insignificante...

Quando eu falo sacanagem fico envergonhada, mas acho graça...

Quando eu gargalho não tenho vontade de parar...

Quando estou feliz as coisas bonitas estão em maior número (mesmo que seja uma só)...

Quando escrevo, transbordo, quando leio, mergulho...

Quando me surpreendem muito, também me roubam as palavras...